Burnout: Ouvir o Próprio Limite
Não é por acaso que pessoas esgotadas se queixem de falhas de memória, dificuldade em planejar e sensação de “mente pesada”.
Vivemos num tempo em que a capacidade de “dar conta de tudo” é celebrada como virtude. No silêncio da noite, quando o corpo finalmente repousa, a mente continua gritando. Esse grito surge porque, por muito tempo, ignoramos os sussurros que pediam pausa. O esgotamento não acontece de repente; é um processo silencioso que se instala quando rompemos o diálogo interno e calamos o corpo. Crescemos acreditando que suportar tudo é sinônimo de força. Aprendemos a engolir o choro, a ignorar o cansaço e a seguir adiante custe o que custar. Esse padrão cultural cria adultos incapazes de reconhecer quando já ultrapassaram os próprios limites.
A neurociência mostra que não basta força de vontade para sustentar rotinas extenuantes. Pesquisas indicam que o burnout está associado a desequilíbrios no eixo hipotálamo–hipófise–adrenal (HPA): pessoas com esgotamento crônico apresentam níveis de cortisol persistentemente altos e relatam maior tensão, irritabilidade e distúrbios do sono. Com o tempo, a hiperatividade desse eixo pode se transformar em hipoatividade, levando à incapacidade de produzir cortisol suficiente para dar conta do dia a dia. Esse desajuste hormonal explica parte da fadiga, da irritabilidade e das oscilações de humor tão comuns no burnout. Além disso, o HPA desregulado está associado a inflamação sistêmica, contribuindo para problemas cardiovasculares, imunológicos e metabólicos.
Do ponto de vista cerebral, o esgotamento se traduz em desgaste de estruturas vitais. Estudos mostram que a exposição contínua a estressores psicossociais causa alterações estruturais e funcionais no córtex pré-frontal, responsável por planejamento e tomada de decisão, e na amígdala, que regula a resposta ao stress. Exames de neuroimagem revelam redução do volume de substância cinzenta na área cingulada anterior e no córtex pré-frontal dorsolateral em indivíduos com burnout persistente. Esses circuitos, que deveriam moderar nossas reações, passam a funcionar de modo desregulado, dificultando a concentração, a flexibilidade mental e o controle das emoções. Não é por acaso que pessoas esgotadas se queixem de falhas de memória, dificuldade em planejar e sensação de “mente pesada”. Elas têm de recrutar mais recursos cerebrais para atingir o mesmo resultado.

Os hormônios do stress também interferem na qualidade do sono. Burnout e insônia formam um círculo vicioso: o esgotamento emocional prejudica o sono, enquanto a privação de sono intensifica o cansaço e a irritabilidade. Na prática clínica, é comum observar pacientes que não conseguem “desligar” depois do expediente. Isso ocorre porque o cérebro, treinado para permanecer em alerta, continua a operar como um computador com dezenas de programas abertos, consumindo recursos e impedindo o repouso. A Harvard Health também observa que a ativação repetida do mecanismo de “luta ou fuga” – comandada pela amígdala e pelo hipotálamo – causa alterações no cérebro que contribuem para ansiedade, depressão e até vícios.
Essa compreensão científica reforça a importância de resgatar a capacidade de ouvir os sinais sutis de exaustão. Sentir cansaço, irritação ou insônia não é fraqueza; são alertas preciosos do corpo. Ao acolher esses sinais, damos a nós mesmos a chance de buscar novos caminhos. Encontrar equilíbrio não é abandonar responsabilidades, e sim ajustá-las à nossa realidade física e emocional. Práticas de atenção plena, meditação guiada e terapia podem ajudar a “desligar” o piloto automático, reduzir a hiperatividade do HPA e restaurar a função cognitiva. A Harvard Health aponta que técnicas como respiração abdominal, visualizações e exercícios de relaxamento reduzem a ativação do sistema simpático e diminuem a pressão arterial, reforçando o papel de intervenções mentais no controle do stress crônico.
À medida que incorporamos essa visão, percebemos que autocuidado é um gesto revolucionário. É a capacidade de dizer “basta” ao excesso de estímulos, de honrar o próprio ritmo e de reconhecer que a mente precisa de pausas para manter-se sã. Histórias de pessoas que revisaram prioridades, estabeleceram limites e resgataram momentos de descanso demonstram que escutar-se é a mais profunda prova de amor-próprio. Esses relatos inspiram e mostram que, por trás de cada voz que insiste em continuar, existe uma mente que anseia por descanso – e que merece ser ouvida.

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Odair Comin | Psicólogo | Hipnoterapia | Escritor